*Claudia Grabois
Muitos dos nossos heróis bíblicos e rabinos renomados tinham reconhecidamente algum tipo de deficiência. Moises tinha um problema na fala, Isaac e Jacó se tornaram deficientes visuais com a idade, o rabino Nahum de Ginzo era cego, e muitos outros poderiam ser citados, se contrapondo aos grandes heróis da cultura greco romana.
Nossa tradição primou desde o inicio pela proteção das pessoas com deficiência, enquanto na Grécia bebês nascidos com deficiência eram abandonados e por conseqüência não sobreviviam. Na nossa cultura tal ato jamais foi admitido, pois matar uma criança por qualquer que fosse a razão constituía assassinato.
Não obstante leituras preconceituosas de textos bíblicos, primamos desde sempre pelos direitos humanos de todas as pessoas, onde estão inclusas as pessoas com deficiência.
Pela nossa tradição, reconhecendo que somos todos criados a imagem e semelhança de D'us, reconhecemos também o valor individual de cada um(a) com a unicidade e plenitude inerentes à pessoa humana, levando em conta todas as suas características individuais, seja ela uma pessoa com ou sem deficiência.
As pessoas com ou sem deficiência são iguais mas lamentavelmente as que tem algum tipo de deficiência são privadas de muitas coisas, principalmente nos ditos países em desenvolvimento.
No mundo existem aproximadamente 600.000.000 de pessoas com algum tipo de deficiência sendo que aproximadamente 25.000.000 delas vivem no Brasil, segundo estatísticas da ONU. Deste número 27% vive em situação de pobreza extrema e 50% em situação de pobreza.
Outro dado importante é que a pobreza por si só produz 1/3 de todas estas deficiências que poderiam ser evitadas com o aumento das políticas públicas de prevenção e inclusão social, bem como com a não discriminação.
O direito de ir e vir para as pessoas com deficiência ainda está longe de se tornar realidade, e isto impede também o direito à livre expressão, pois quem não chega, não fala.
Mas há também aqueles que conseguem chegar mas não podem se expressar pela falta de um intérprete, também de direito, para sua própria língua, que aqui chamamos de Libras-Língua Brasileira de Sinais. E também aqueles que não são ouvidos nunca, os deficientes intelectuais, privados do convívio social pela segregação imposta, e se analisarmos bem, imposta a todas nós, pois em outro ângulo pessoas sem deficiência também acabam segregadas pela impossibilidade desta convivência.
Os tipos de deficiências são: Física, Sensorial, Múltiplas e Intelectual e denominamos as pessoas com deficiência simplesmente de "pessoas com deficiência" e as pessoas sem deficiência de "pessoas sem deficiência".
Em todas as culturas e tradições existe um grande número de pessoas com deficiência que interagem com suas comunidades na proporção que as comunidade interagem com elas, ou seja, de acordo com a acessibilidade proporcionada, pois quanto mais acessível, maior participação de pessoas com deficiência e entende-se como meio para tornar acessível, o desenho universal, Libras(Brasil), Braille, acesso tecnológico e mudança de atitudes.
A comunidade judaica, inserida no contexto social brasileiro, apresenta as mesmas dificuldades para visualizar a pessoa com deficiência como um ser pleno e sujeito de direitos, assim como todos somos. Talvez por ser mais fácil "filantropizar" do que promover o acesso e reconhecer a cidadania, continuamos a promover atendimentos segregados e por conseqüência segregadores que nos levam a um preconceito ainda maior com a infantilização de pessoas com algum tipo de deficiência e desmerecimento do seu valor social.
A luta pelos direitos das pessoas com deficiência tem avançando muito nos últimos anos e acredito que as comunidades, sob pena de ficarem ultrapassadas em matéria de reconhecimento aos direitos humanos, precisam se apressar para acompanhar este rico processo.
Adaptações e mudanças podem ser feitar para modificar consciências, corações, computadores, entendimentos, espaços e acessos a todos que queiram e precisem, a todas que por direito pertencem. São pequenas e grandes medidas, listo algumas delas abaixo, algumas dispendiosas, outras de baixo ou mesmo sem custos.
1 - Criar um grupo de inclusão em sua instituição para traçar políticas inclusivas para pessoas com deficiência, tendo pessoas com deficiência participando deste processo e levando a discussão para dentro da comunidade
2 - Fazer pelo menos a cada dois meses para toda a instituição uma atividade que envolva pessoas com deficiência, ou seus representantes e levar a sério o lema "Nada Por Nós Sem Nós"
3 - No caso de sinagoga, pedir também que regularmente seu rabino fale sobre a importância da inclusão ampla, geral e irrestrita de todas as pessoas com deficiência em suas prédicas
4 - Tenha nos serviços a língua brasileira de sinais, sinalizando que surdos são bem vindos, tenha também material impresso da instituição em braille
5 - No caso de Sinagoga, fazer um projeto para conseguir também Torah e Sidur em braille, para que os deficientes visuais sejam igualmente bem vindos. As recomendações valem também para instituições políticas, sociais e de juventude
6 - Verificar se a Bimah é acessível e verificar também se a mezuzá está colocada ao alcance de alguém em cadeira de rodas. Fazer o mesmo com a caixa de kipot, com o armário dos sidurim e tudo o mais que pode ser alcançado por quem é cadeirante
7 - Verificar se os jornais comunitários podem ser acessíveis com o uso das modernas ferramentas da internet, para os deficientes visuais, colaborando para que se torne realidade
8 - Chamar pessoas com deficiência, de todos os tipos para participar da sua instituição e insista, pois esta participação é importante não apenas para ela, mas principalmente para os demais
9 - Incluir imediatamente todas as crianças, adolescentes e jovens com deficiência e reunir os jovens da instituição para participar deste processo e fazer o que for preciso para que isto aconteça. Realizar oficinas, tratar também do assunto com enfoque judaico, não deixar de lembrá-los que "nada faz uma pessoa ser melhor ou pior que a outra" e que mesmo vivendo em comunidade somos diversidade e mostrar que é possível. A convivência com as diferenças nos torna mais aptos para a vida
10 - Propor que no curriculo de estudo para bar mitzvah/bat mitzvah seja adicionado a inclusão de pessoas com deficiência à luz do judaismo
11 - Ensinar aos seus filhos em casa que as pessoas com deficiência não são doentes, ensinar também aos professores das escolas, aos monitores e madrichim, aos líderes, e transmitor isto a todos. Ensinar o mesmo em todas as Instituições
12 - Pedir que as escolas coloquem nos seus currículos desde o maternal a convivência com a diversidade e a aceitação das pessoas com deficiência e incluam as famílias neste trabalho. Lutar pela escola inclusiva para todas as crianças, escola que não atende a todos não é escola, pelo menos de acordo com as nossas leis, de nosso país, e do pirkei avot. Lembre sempre dos benefícios que uma criança que não tem deficiência leva para sua vida adulta ao poder crescer ao lado de uma criança com deficiência, aprendendo a respeitar as diferenças, e portanto aprendendo a exigir ser respeitado. Pois em algum momento da vida, cada um de nós sempre será colocado como o diferente. Mas principalmente tenha claro que a inclusão é um direito amplo, geral e irrestrito, onde não cabe uma negação. E as escolas devem entender isto completamente.
13 - Tornar os lugares acessíveis, com rampas, elevadores, banheiros, espaços adequados e o que mais for necessário. Levar em frente esta idéia. A persistência leva ao êxito. Mantenha palcos acessíveis bem como locais de reuniões, e se for necessário perca um pouco do seu conforto para o bem de todos. Impedir uma única pessoa de participar de atividades por conta de nosso egoísmo em não facilitar o acesso, contraria nossa própria existência.
14 - Fazer intensamente um trabalho para que as pessoas com deficiência sejam vistas com naturalidade, mas tendo claro que inclusão só se aprende fazendo, é uma luta diária contra preconceitos e por direitos aparentemente básicos, mas nem sempre claros para a maior parte das pessoas.
15 - Promover acessibilidade nos meios de comunicação, entendendo que o direito à informação é para todos e sem ele não existe igualdade de oportunidades.
16 - Tenha claro que todas as mudanças estruturais que vierem a ser feitas beneficiarão todas as pessoas, diminuirão riscos de acidentes para grávidas, crianças e idosos, diminuirão o número de doentes, pois a exclusão provoca inúmeras doenças, diminuirão a violência, pois a inclusão caminha na contramão e diminuirão as distâncias, pois a inclusão rompe inúmeras barreiras e muito embora seja trabalhosa, torna a vida mais bonita.
Muito embora as sugestões tenham sido feitas visando a inclusão das pessoas com deficiência, o direito à inclusão é para TODOS. Se para as crianças é direito inalienável, para jovens, adultos e idosos é o verdadeiro exercício da cidadania, é o ir e vir, a livre expressão, saúde física e mental, a busca pela dignidade, pela justiça social e o caminho para valorização total da diversidade e legitimação das diferenças com respeito a características individuais e coletivas. Inclua-se, inclua o outro e o aceite no seu TODO, assim estaremos também construindo a paz
*Claudia Grabois
Diretora de Inclusão Social da FIERJ
Membro da equipe técnica do Forum de Educação Inclusiva do Estado-UERJ
Diretora da Rede Inclusiva e RJDown
segunda-feira, 30 de junho de 2008
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