por Carlos Brickmann*
É triste assistir ao espetáculo do linchamento público de judeus sendo promovido por judeus, transformando gente nossa em propagandista de quem nos odeia por fazermos parte de nosso povo..."
Dizem que, se houver judeus em Marte e um rabino marciano chegar à terra, já encontrará pelos menos três alas: os que são a favor do rabino, os que são contra o rabino e os que acham que nem rabino ele é. Dizem também que um judeu, sozinho numa ilha deserta, construirá duas sinagogas: uma para freqüentar, outra em que jamais porá os pés.
Esta é uma característica de nosso povo; e, cá entre nós, é uma característica pitoresca - quando não estamos em crise. Quando enfrentamos algum problema, transforma-se numa característica negativa, nociva, que põe em risco a todos nós.
Aquele senhor de longo sobretudo negro, com chapéu de pele e peiets, é judeu. Como é judeu aquele senhor careca, raras vezes visto de paletó, quase sempre sem yarmulke, como David Ben-Gurion. É judeu quem come kosher, como minha avó Maria, é judeu quem come porco, como meu avô Jacob, que nos dias de reunião da maçonaria chegava mais tarde, com a vovó Maria dormindo, e trazia sanduíches de presunto para ele e os filhos. Aquele rabino de longas barbas brancas é judeu; o rabino de cabelos longos, sem barba, é judeu. É judia nossa rabina. E é judeu aquele mishigne da Naturei Karta que quer destruir Israel.
Somos um povo antigo, disperso pelo mundo há milênios, em que a tradição tem força de lei e em que a lei da terra deve ser obedecida como se fosse a Torah. Há costumes diferentes, cozinhas diferentes, tradições diferentes (e todas iguais em seu judaísmo). O askhenazi não dá o nome de parentes vivos a seus filhos; o sefaradi está autorizado a fazê-lo, e isto é uma homenagem. Os judeus negros da Etiópia não conheciam o Talmud, e estranharam os judeus de Israel que os procuraram: "Como vocês se dizem judeus, se são brancos?"
Somos brancos, somos negros, somos amarelos. Trazemos em nós as tradições da Índia, da Europa, do Egito, da Núbia, da Etiópia, do Iêmen, da América. Somos guerreiros, agricultores, cientistas, navegadores, empreendedores, comerciantes, professores, estudiosos, religiosos, capitalistas, comunistas, sionistas, Naturei Karta, assimilados - pois não era Moisés, o Mestre, casado com uma goya midianita Ziporah? Pois não foi Moisés, o Mestre, que deixou de circuncidar o filho Gershon? E somos todos um só povo, o povo judeu.
Temos leis de kashrut, mas quem não as cumpre continua sendo judeu. Temos leis de shabat, mas quem não as cumpre continua sendo judeu. Judeu é o filho de mãe judia que não abandonou formalmente seu povo, ou o convertido - seja ou não kosher, use ou não barba, cubra ou não a cabeça com o yarmulke, celebre os cultos de uma forma ou de outra. O judeu ateu também é judeu. Se o Senhor quisesse afastá-lo do Seu povo, isso estaria claramente expresso na Lei.
É triste assistir, como nos últimos dias, ao espetáculo do linchamento público de judeus sendo promovido por judeus, lado a lado com nazistas notórios, com anti-semitas que procuram disfarçar-se de anti-sionistas, transformando gente nossa em propagandista de quem nos odeia por fazermos parte de nosso povo.
O fato que gerou o linchamento não teve a menor importância: apenas serviu de pretexto para que velhas diferenças fossem acertadas, antigas antipatias viessem à tona, tudo sob a proteção de um moralismo que não é o guia habitual desses críticos. Parafraseando um judeu famoso, Reb Yeoshua, também conhecido como Jesus, aqueles que pecaram também atiraram a primeira pedra.
Não criemos inimigos entre nós. Somos poucos, somos minoritários, somos vulneráveis. Durante os últimos milhares de anos, sempre que estivemos desunidos sofremos as conseqüências. David e Salomão criaram um grande reino. Dividido este reino em Judá e Israel, perdemos dez de nossas doze tribos. Yehuda Macabi liderou o povo unido na luta pela restauração de Israel e do Templo. Desunidos, os radicais zelotes foram sozinhos à guerra e, apesar do heroísmo que demonstraram, caíram diante dos romanos, que mais uma vez destruíram nosso templo, saquearam nossa Jerusalém e exilaram todo o nosso povo - tragédia da qual só nos levantaríamos dois mil anos depois.
Dizem que numa antiga sinagoga, em determinado momento, parte da congregação queria ficar em pé, parte queria ficar sentada. A discussão era travada aos berros e ninguém sabia como resolver o problema. Lembraram-se então de um idoso rabino dos primeiros tempos da sinagoga, há muito aposentado, e lhe expuseram o problema. "Devemos ficar de pé"?
O rabino explicou: "Não, esta não é a tradição".
"Então devemos ficar sentados?"
O rabino explicou: "Não, esta não é a tradição".
"Mas, se não resolveremos se é para ficar de pé ou sentados, todos ficam brigando aos berros!"
O rabino animou-se: "Esta é a tradição".
Briguemos, pois. Somos judeus. Vamos discutir aos berros se é hora de rezar pela chuva ou pelo tempo firme. Mas nenhuma divergência deve chegar à falta de respeito, nenhuma divergência deve levar à desqualificação, nenhuma divergência pode levar à divisão. Unidos, somos poucos. Divididos, somos ninguém.
*Carlos Brickmann é jornalista,
diretor da Brickmann&Associados Comunicação (São Paulo – Capital)
quinta-feira, 10 de maio de 2007
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